segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O TREM BALA NA TERRA DA BALA PERDIDA

Leio no jornal que o governo federal vai financiar 60% dos R$ 34 bilhões a serem gastos no trem-bala, que ligará Rio e São Paulo. O dinheiro daria para construir 425 hospitais de alto nível. Mas resolver de uma vez por todas o problema das longas filas de espera formadas por gente pobre e doente não é prioridade. Mais importante para nossos governantes é que uma turminha privilegiada cruze os 400 quilômetros em uma hora e meia, pagando cerca de duzentas pratas pela passagem.Administrar uma cidade, um estado, um país é como tomar conta da própria casa – só que o quintal é um pouco maior. Se a sua geladeira e a sua televisão quebram, e você só tem dinheiro para reparar um deles, a qual daria preferência? À TV, para ver a novela, ou ao refrigerador, para comer? A resposta é óbvia para qualquer dona de casa, mas, em se tratando de Brasil, não parece ser para prefeitos, governadores e presidentes da República.Na semana passada, ou na retrasada, escrevi sobre a mixaria que historicamente pagamos aos nossos policiais. Há dinheiro de sobra para todas as maquiagens necessárias às nossas candidaturas a sede dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo, mas a um soldado da PM pagamos pouco mais de R$ 1 mil por mês. E ainda achamos que ele vai morrer por nós, defender nossa propriedade e até deixar de aceitar R$ 10 de propina de um flanelinha clandestino ávido por nos achacar.A mesma discriminação sofrida pelos policiais é impingida aos professores, um dos poucos trunfos que uma nação tem contra a lavagem cerebral de imbecilidade a que a TV aberta submete as crianças diariamente. Os mestres que formam nossos filhos também mal ganham para o café. Recentemente, o governo estadual deu-lhes um abono de R$ 400, parcelados até 2015, se não me engano. Investimento em qualificação profissional, aparelhamento e conservação das escolas, reciclagem do corpo docente, salário digno, tudo isso anda a passos de tartaruga, enquanto o trem-bala vem aí a uma velocidade de 300 quilômetros por hora.Se algum membro do Poder Executivo arranjasse um tempinho em sua agenda repleta de badalações, deveria plantar-se, incógnito, diante de uma escola pública na hora da saída dos alunos. Seria bom que visse como anda a cabeça dos pré-adolescentes e adolescentes. Meu conselho é para que conte quantas meninas de 15 anos escondem barrigões de seis, oito meses de gravidez debaixo dos seus uniformes escolares.E que tal perguntar aos garotos quem são seus ídolos? Há alguns meses, os heróis brasileiros eram a prostituta Bebel da novela das oito, interpretada pela atriz Camila Pitanga, e o capitão neurótico e torturador do Batalhão de Operações Especias da PM, vivido por Wagner Moura no filme-catástrofe Tropa de elite. Heróis nacionais.Nossa escola há muito perdeu a batalha, parou no tempo e no espaço. Cada vez está mais difícil fazer com que os alunos prestem atenção nas aulas. Para que vão estudar se os concursos para gari e para PM estão cheios de desempregados com curso superior? Para que serão honestos se dezenas de criminosos estão soltos e morrendo de rir do nosso Código Penal, instrumento da impunidade? Vão jogar papel na lata de lixo quando as indústrias despejam metal pesado nos mares, rios e lençóis freáticos sem punição?A tarefa da educação deveria ser valorizada porque é fundamental para a sobrevivência de um país. Na campanha eleitoral, todo político repete a ladainha de que vai prestigiar o professor. Mas, quando pega a chave do cofre, a história é outra. Aí começa aquele papo de incentivar o turismo, trazer divisas com uma competição internacional... Sei muito bem para que bolsos vão essas divisas, os bolsos de sempre.Trem-bala é muito legal em país que universalizou o ensino de qualidade, que já matou a fome do seu povo, que tem uma rede de saúde pública eficiente e onde ninguém mais vive em casa de barro. Mas trem-bala na terra da bala perdida é um devaneio ridículo.
JB - Migliaccio - 06/09/2009

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